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PUBLICADO EM MARÇO 06, 2022 | ATUALIZADO EM MARÇO 06, 2022

ARTIGO | O Futuro do Canabidiol no tratamento do Autismo


por: Alysson R. Muotri, Ph.D.
Professor da Faculdade de Medicina na Universidade da Califórnia, San Diego.

O canabidiol, também conhecido apenas como CBD, é um dos princípios ativos não-psicotrópico da Cannabis Sativa, a planta da maconha. Essa molécula atua de formas diferentes no organismo humano, regulando nosso sistema imune e neurológico.

A ciência reconhece o potencial médico do CBD há muito tempo. Por isso mesmo, o CBD já é aprovado para uso em diferentes condições neurológicas, incluindo certos tipos de epilepsia refrataria, Parkinson, certos tipos de câncer e controle de dor.  Além disso, existem uma série  de ensaios clínicos em andamento para outras aplicações, como em Anorexia Nervosa, diabetes e autismo.

Ao longo dos anos, muitas famílias começaram a notar melhorias no comportamento de autistas que fazem uso do CBD. Essa observação também aparece em alguns (não todos) estudos retrospectivos, demonstrando uma relação entre o use do CBD e uma melhora no quadro clinico de alguns autistas. A discordância nos estudos retrospectivos pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo a dose e frequência do tratamento, além do tipo de CBD que foi utilizado. Além disso, existe uma variação enorme de metodologia utilizada, desde a idade dos autistas, interação com outros medicamentos, e até a forma que esses indivíduos foram avaliados. Com tantos parâmetros diferentes, fica difícil uma conclusão definitiva. Por isso mesmo, o CBD ainda não foi comprovado cientificamente como um tratamento para o autismo.

Na tentativa de classificar o CBD como um tratamento para o autismo, uma série de estudos clínicos prospectivos foram iniciados. O objetivo desses ensaios clínicos é responder de forma conclusiva se o CBD seria, ou não, benéfico a indivíduos autistas. Dos estudos publicados, até o momento, nenhum apresenta um rigor cientifico que permita a aprovação e uso comercial pelo FDA (agência de controle americana).  O que impossibilita uma conclusão efetiva nesses estudos é a falta de controles adequados e/ou um número de autistas testados insuficientes. O leitor deve se perguntar, porque então fizeram o estudo? Calma, eu explico. Sendo o CBD uma substancia livre de propriedade intelectual, fica difícil proteger esse conhecimento para que gere lucro no futuro. Além disso, o custo de um ensaio clinico controlado e rigoroso é muito alto. Portanto, industrias farmacêuticas, que em geral fazem esse tipo de investimento, tem pouco interesse em financiar esse tipo de pesquisa. Restam então as agências governamentais e filantrópicas.

Em 2019 nosso grupo de pesquisa na Universidade da Califórnia em San Diego, recebeu uma doação filantrópica para fazer um ensaio clinico para CBD e autismo de forma rigorosa. Foram recrutados 30 autistas “severos”, de 8 a 14 anos, e sem epilepsia. O que chamamos de autista severo, são autistas que possuem uma dependência muito grande, em geral não-verbais, com sono desregulado, e com um alto índices de agressividade e movimentos estereotipados. Optamos por excluir autistas com epilepsia devido ao já reconhecido efeito benéfico do CBD no tratamento de convulsões. Ao excluir essa categoria, evitamos confundir o benefício do CBD no autismo como decorrência de um controle da epilepsia.

A escolha de autistas “severos” também não foi por acaso. Em primeiro lugar, os autistas severos são pouquíssimos estudados pela ciência devido as dificuldades em cooperar com as atividades dos estudos clínicos. Assim, gostaríamos de representá-los com esse estudo, aproveitando nossa longa experiência em lidar com os casos mais graves. Além disso, acreditamos que em casos severos, os eventuais efeitos do CBD (positivo ou negativo) seriam mais facilmente detectados, mesmo que sejam sutis.

Para detecção de alterações, estaremos nos baseando em informações coletadas pela família e terapeutas que interagem com a criança. Também estamos nos apoiando em novas plataformas tecnológicas, como eye-tracking ou balance-detection devices que podem fornecer dados precisos sobre o comportamento autista de forma não-invasiva. Dados médicos e biológicos (eletroencefalograma, ressonância magnética para certos neurotransmissores, e marcadores de inflamação periférica no sangue) serão coletados antes e depois do tratamento.

Esse será um estudo duplo-cego por um ano. Ou seja, cada família estará recebendo o tratamento por 6 meses, sem saber se o autista está tomando CBD ou placebo (o mesmo xarope, mas sem CBD). Depois de 6 meses, o medicamento ou placebo será trocado pelos próximos 6 meses, novamente, sem o conhecimento da família. Estudos duplo-cego são importantíssimos, especialmente em ensaios clínicos para autistas, aonde o efeito placebo é muito forte.

Uma adição original importante nesse estudo, será o acompanhamento dos mini cérebros derivados de cada individuo autista. Mini cérebros são estruturas neurais tridimensionais, criadas a partir de células-tronco reprogramadas da pele da pessoa, e que mimetizam de forma simplificada o funcionamento do cérebro. Ou seja, estaremos criando “avatares cerebrais” de cada participante no laboratório. E faremos o tratamento com CBD nesses avatares cerebrais da mesma forma. Esse modelo de estudo permite fazer o que seria impossível num ensaio clínico tradicional: analisar diretamente como os neurônios de cada individuo respondem ao medicamento.

Estaremos estudando como o CBD altera as sinapses e circuitos neurais de cada pessoa. Podermos correlacionar alterações genéticas com a resposta ao CBD, por exemplo, identificando quem responde e quem não responde ao tratamento. Junto com a parte clinica, esse estudo nos permitira ir além da pergunta inicial se o CBD auxilia ou não autistas. Esperamos responder também “como” e “porque”. Esse modelo experimental também permite testarmos combinações de medicamentos, como a interação do CBD com o THC (principio psicotrópico da Cannabis que, em baixas quantidades, poder amplificar o efeito do CBD). Esse trabalho será um passo importante para uma futura personalização de tratamento para cada autista.

Os resultados desses estudos deverão sair nos próximos anos. Caso positivo, irá contribuir e somar as evidências de que o CBD auxilia no comportamento autista. Nesse caso, também esperamos obter dados sobre os efeitos colaterais (sim, apesar de não-psicotrópico, o CBD não é inócuo). Esse estudo será um grande passo (talvez definitivo) para uma futura aprovação do FDA para comercialização do CBD como um produto médico controlado.

Mas enquanto o CBD não é aprovado, vale a pena testá-lo? Essa é uma pergunta que ouço com frequência e vejo opiniões controversas na comunidade médica. Médicos mais puristas não gostam de recomendar produtos que não tenham um embasamento e respaldo científico, portanto ainda não aprovados pelo FDA. Outros são mais flexíveis nesse aspecto.

O fato é que o tratamento para o autismo hoje em dia não é medicamentoso, mas sim através de terapias comportamentais. Muitas vezes, essas terapias não fazem o efeito desejado no autista e muitos pais buscam um tratamento alternativo medicamentoso. Ainda assim, alguns casos também não respondem aos fármacos já aprovados, causando dificuldade no controle do comportamento e comorbidades (ansiedade, agressividade, alteração no sono, problemas gastrointestinais, etc). Seria razoável então, que nesses casos refratários, o uso do CBD, como adjuvante as terapias, pudesse ser testado sob orientação medica. As maiores dificuldades ao seguir nesse caminho seria encontrar um produto de alta qualidade (o CBD precisa ser purificado) o que geralmente é caro, e acompanhar os possíveis efeitos colaterais, como náuseas, enjoo, interferir com os outros medicamentos usados por autistas.

Confira abaixo o bate-papo que a Dra. Vanessa Paiva, sócia e diretora científica da WeleafDNA, teve com o pesquisador Alysson R. Muotri:

Dra. Vanessa:  Quando e como começou sua jornada na pesquisa do uso do CBD ?

Dr. Alysson: Trabalho com CBD e neurodesenvolvimento desde 2013. Entrei nessa pesquisa após ouvir relatos de familiares que estavam usando o CBD para autismo e controle de convulsões.

Dra. Vanessa:  Qual sua maior motivação em fazer pesquisa no uso do CBD na melhoria da qualidade de vida de pessoas que manifestam o espectro autista?

Dr. Alysson: O potencial do CBD é enorme. Apesar de ainda não termos confirmação científica que ele funciona para autismo, se funcionar será uma imensa ajuda para essas famílias. Além disso, o CBD tem pouco efeito colateral em comparação com outras medicações usados para autismo.

Dra. Vanessa:  Que legado você espera deixar com sua pesquisa? 

Dr. Alysson: Acredito que o legado da nossa pesquisa será em obter dados confiáveis sobre o uso de CBD para autismo, descobrir como e por que ajuda, e definir o mecanismo molecular de ação do CBD em neurônios humanos.